Tuesday, December 14, 2010

RECIFE FRIO LANÇADO EM DVD



(texto de divulgação/release)

O PREMIADO FILME PERNAMBUCANO "RECIFE FRIO" GANHA DVD ESPECIAL
COM LANÇAMENTO NESTA SEXTA-FEIRA DIA 17, NA LIVRARIA CULTURA, NO RECIFE


Depois de 40 prêmios ao longo de um ano de carreira nos festivais de cinema no Brasil e no exterior, a ficção científica Recife Frio, do cineasta Kleber Mendonça Filho, chega ao formato DVD numa edição especial com extras. O lançamento será na Livraria Cultura, no Recife, na próxima sexta-feira, 17 de Dezembro, com uma sessão especial do filme às 18h30, no primeiro andar. O DVD, uma produção com distribuição independente, irá custar R$ 16. Livrarias Cultura de Porto Alegre, São Paulo, Brasília, Campinas, Salvador e Fortaleza também terão o filme à venda.

Recife Frio se passa "daqui a alguns anos", quando eventos inexplicáveis transformam a capital pernambucana numa cidade fria, chuvosa, revolucionando costumes e toda uma sociedade que surgiu tropical.

O DVD, com arte e design de Clara Moreira (responsável pelo design gráfico de filmes pernambucanos como Muro, de Tião, Pacific, de Marcelo Pedroso, e todo o material gráfico feito para o Janela Internacional de Cinema do Recife), traz a mixagem original do filme em Dolby DIgital 5.1 Surround e Tela Anamórfica 16x9. Traz também extras, como 2 cenas que não entraram na montagem final e um making of de 8 minutos que mostra um pouco do processo de produção de Recife Frio, feito ao longo de três anos (primeiras imagens, a cena do Papai Noel, foi feita no natal de 2006).

RECIFE FRIO DVD
- Tela Anamórfica 16X9 para monitores widescreen.
- Remasterizado a partir da Matriz Original de Alta Definição.
- Som Dolby Digital 5.1 Surround Sound / Som Dolby Digital 2.0
- Legendas em Português, Inglês e Espanhol.
- Making of - Filmando Recife Frio
- Cenas Cortadas -
- Visita a Olinda
- Josias Soares - Homem do Tempo
Festivais e Prêmios
Trailer
- Vinil Verde (2004)
- Crítico (2008)


Recife Frio estreou no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em novembro do ano passado, onde foi exibido na noite de sábado, 21 de novembro, numa sessão já considerada histórica, com impressionante reação do público e crítica. Saiu do festival com 7 prêmios (Diretor, Roteiro, Prêmio do Público, Prêmio da Crítica, Prêmio Aquisição do Canal Brasil, Prêmio Vagalume, Melhor Momento do Festival segundo Júri do Correio Braziliense).

Desde então, são contabilizados cerca de 40 prêmios de Júri, Público e Crítica em festivais no Brasil como Tiradentes, São Paulo e FICA, e em 11 países com seleções em Roterdã (Holanda), Toulouse (França), Indie Lisboa (Portugal) e Havana (Cuba).

Nesse último mês de novembro, foram mais quatro prêmios. No Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro Curta Cinema, ganhou Melhor Filme (Ficção), Melhor Filme (Público) e Melhor Filme (Júri Jovem). No Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, findo semana passada, ganhou Melhor Filme (Público). Ontem à noite, na Mostra Londrina, no Paraná, Recife Frio conquistou mais quatro prêmios: Melhor Roteiro, Direção e Filme (Júri Oficial) e Melhor Filme (Público).

Para Kleber Mendonça Filho, "Recife Frio é um filme muito pessoal sobre uma visão minha do Recife, cidade que anda muito mal tratada no seu traçado urbano. Embora o filme seja claro no que quer dizer, Recife Frio é um lamento de amor pelo Recife".

Não é por um acaso que Recife Frio junta-se a uma onda espontânea de filmes feitos por cineastas pernambucanos (Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, Eiffel, de Luiz Joaquim, Menino Aranha, de Mariana Lacerda) que enfocam exatamente essa crise pela qual passa o Recife, que se vê demolida e verticalizada sem qualquer atenção para o futuro. "O poder que o filme tem de se comunicar com todos dentro e fora do Recife talvez mostre que esta é uma questão universal".

CRÉDITOS DVD
Produção Executiva
Emilie Lesclaux
Kleber Mendonça Filho

Produção do DVD
Manuela Galindo

Autoração
Tiago Martins Rêgo

Arte e Design
Clara Moreira


RECIFE FRIO
24MIN / HD / 35MM / 1:78
Recife, Brasil, 2009

Sobre o realizador:

Kleber Mendonça Filho nasceu no Recife, PE. Formado em jornalismo pela UFPE, tem trabalho abrangente como crítico de cinema, tendo escrito para o Jornal do Commercio, Folha de S. Paulo e seu próprio site, o CinemaScópio. É programador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do Janela Internacional de Cinema do Recife. Como cineasta e roteirista, seus filmes são A Menina do Algodão (2003), Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005), Noite de Sexta Manhã de Sábado (2006), Crítico (2008) e Recife Frio (2009), títulos que receberam mais de 100 prêmios no Brasil e no exterior, com seleções para festivais como Brasília, Gramado, Hamburgo, Karlovy Vary, Roterdã, Clermont-Ferrand, BAFICI e Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Trabalha atualmente na montagem do seu primeiro longa-metragem, O Som ao Redor.

Filmografia:

Enjaulado (Caged in, 1997, Betacam, 33’), A Menina do Algodão (The Little Cotton Girl, 2002,Mini-DV / 35 mm, 6’), Vinil Verde (Green Vinyl, 2004, 35mm, 16’), Eletrodoméstica (2005, 35 mm, 22’), Noite de Sexta, Manhã de Sábado (Friday Night, Saturday Morning, 2006, Mini-Dv / 35 mm,14’), Crítico (2008, mini DV/35 mm, 76'), Luz Industrial Mágica (Industrial Magic Light, 2008, HD, 7').

Sinopse:

Estranha mudança climática faz Recife, na região Nordeste do Brasil, passar a ser uma cidade fria. O documentário de uma TV estrangeira examina os efeitos da mudança em toda uma cultura que sempre viveu em clima quente.


PRODUÇÃO CINEMASCÓPIO E SÍMIO FILMES
PRODUTORES ASSOCIADOS CABRA QUENTE FILMES

DIREÇÃO E ROTEIRO KLEBER MENDONÇA FILHO
PRODUÇÃO EMILIE LESCLAUX
PRODUÇÃO EXECUTIVA JULIANO DORNELLES E KLEBER MENDONÇA FILHO
FOTOGRAFIA KLEBER MENDONÇA FILHO
MONTAGEM EMILIE LESCLAUZ E KLEBER MENDONÇA FILHO
SOM KLEBER MENDONÇA FILHO
ELENCO ANDRÉS SCHAFFER, ANTONIO PAULO, YANNICK OLLIVIER, JR. BLACK, DJANIRA PESSOA CORREIA, JÚLIO ROCHA, PEDRO BANDEIRA, GLEICE BERNARDO DE FRANÇA, RODRIGO RISZLA, GRAÇA ARAÚJO, GILVAN SOARES, CRISTIANE SANTOS, ENIO, PINTO E PATATIVA
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL LIA DE ITAMARACÁ
MAQUIAGEM PARA LIA GERA CYBER
EFEITOS ESPECIAIS CARLOS EDUARDO NOGUEIRA
MOTION DESIGN ANDRÉ PINTO
PRODUÇÃO DE ELENCO RENATA ROBERTA E RUTÍLIO OLIVEIRA
ASSISTENTES DE PRODUÇÃO JOSIAS TEÓFILO, LELLYE LIMA E SIMONE JUBERT
ARTE GRÁFICA CLARA MOREIRA
FINALIZAÇÃO LINK DIGITAL
SUPERVISÃO DE FINALIZAÇÃO PEDRO SOTERO
MIXAGEM ESTÚDIO CARRANCA PE

Friday, October 15, 2010

Menos Imagens da O2?


Estou no processo de montagem do meu filme, 'O Som ao Redor', e pensando sobre imagens, arquivos e tal, e eis que me chega esse curiosíssimo email, supostamente da O2 (será verdadeiro?), onde propõem uma revolução para que deixemos (?) de filmar 550 para 1 (isso em filme película) e 1000 para 1 (em digital), e assim diminuir o lixo imagético que se cria no áudiovisual. Se for verdade, resta perguntar em que planeta do cinema eles moram. (Kleber Mendonça Filho)

Reproduzo aqui a mensagem e a proposta, que se chamaria 'O Método'!

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Companheiros,

Nesta semana começamos um movimento aqui na O2 para mudar a maneira de filmarmos. A ideia é disciplinarmos o descontrole que se instaurou nas filmagens em digital. Para isso estamos criando o que chamamos de "O MÉTODO". Como ele está diretamente ligado ao trabalho de você peço a paciência de darem uma lida no email abaixo enviado para diretores e produtores da O2 para saberem como estamos pensando em encarar este novo jeito de filmar.

Evidentemente estamos mais do que abertos e interessados em sugestões que vocês possam ter. Depois do Método coloquei um texto do Humbertão, montador, que parece ter ouvido nossa conversa aqui na O2 e postou algo muito ilustrativo do problema.

Na quinta feira passada fizemos uma reunião aqui na O2 sobre a nossa pós e entre outros assuntos nos foram dadas duas informações curiosas:

1 - A O2 completou este mês um petabyte de capacidade de memória, isso é 4 vezes mais do que a memória da UOL ou 1/4 do que tem o Google mundial. Não é pouco.

2 - Falta memória disponível na O2.

Diante desta situação paradoxal foi feito um levantamento e vimos que quando rodávamos em película os filmes obedeciam uma proporção média de aproveitamento de 35 para um. (o que convenhamos já era um absurdo de disperdício) Para digitalizar este material rodado gastávamos 1 hora mais ou menos. Ao passar para o mundo digital nossos filmes saltaram para uma média de 550 para um ( neste mês houveram 2 projetos onde foi rodado 1.000 para 1) Para digitalizar material rodado em digital é preciso 3 vezes mais tempo do que o que é telecinado pois o rendering/conformação é lento e depois disso ainda ha a digitalização normal. Ou seja, estamos rodando 16 vezes mais material e gastando 100 vezes mais horas de equipamento por projeto, fora o material bruto que para ser arquivado em LTO, precisa de mais 3 vezes o tempo do material para a nova conformação.

Além do problema de memórias astronômicas, rodar esta infinidade de material tem criado um segundo gargalo, o trânsito destas imagens. (para não falar na infelicidade dos montadores que trabalham muito mais e fazem filmes piores pois gastam 90% do seu tempo jogando fora o lixo e apenas 10% montando). Para resolver estes problemas vimos dois caminhos: Sair comprando mais máquinas para dar conta deste fluxo ou racionalizar o fluxo. Vamos fazer um pouco das duas coisas.

Das novas máquinas o Paulo Barcelos e o Tamis estão se encarregando, este email é para propor uma maneira de diminuirmos a produção de lixo imagético, vamos chamar assim. Proponho abaixo uma pequena mudança no nosso método de trabalho. Vamos lá:

*O MÉTODO:*

1 - No mundo digital não faz mais sentido nos referirmos as nossas tomadas como se fossem filmadas. Faremos uma nova claquete onde deve constar o número do cartão ao invés do rolo, o número do clipe gerado pela câmera no lugar do take e o número da cena como é hoje. ( podemos manter um espaço para colocar o número de take de cada cena para quem acha que começar sempre do 1,2,3... ajuda a rever o material no set .)

*A primeira decisão* De hoje em diante todo mundo usa os mesmos números. O som direto canta a cena, o número do cartão e o número do clipe não mais a cena, o rolo, e o take. "- Cena 4, cartão 2, clipe 23...ação."obs - O número do clipe gerado pela câmera vem com umas letrinhas tipo AZX 023. O que vale é sempre o número final: 23.

2- Ao final de cada take o diretor deve avisar ao video-assist ou ao assistente que está anotando a planilha do relatório se o take rodado deve ser logado ou não. Esse é o grande momento mágico que vai fazer toda a diferença.

Sábado eu e o Paulinho testamos isso em dois filmes de Bradesco e reduzimos o volume de material logado para 1/5 !!! O Marcelinho e o Saulo quiseram nos beijar quando receberam o material sem lixo para montar. ( mas nós não deixamos).

*A segunda decisão*: *Voltar aos anos 60 quando no set o diretor tinha que dizer " Copia", ao final de cada take que lhe parecesse razoável. O assistente escreve na planilha e passa para o loger selecionar o que vai para a montagem.

3 - Apesar dos takes bons estarem sendo logados numa pasta que vai para o montador, o material bruto vai também ser guardado caso aconteça alguma coisa ou seja preciso ver mais material. Este bruto no entanto não passará por todo o processo de conformação, digitalização etc. É um back-up que vai ser apagado assim que o filme for ao ar.

*A terceira decisão* O logger deve fazer duas pastas. Uma com o material logado e outra com back-up do bruto. Só a primeira segue todo o processo.

4 - Com a gravação digital, muitos sets praticamente aboliram a palavra "corta". Como a câmera só registra um novo número de clipe quando é cortada, apesar de ser chato, é fundamental que depois de cada erro diga-se "corta", para que o que foi gravado até então, o lixo, seja jogado fora. Cortar entre cada take é também importantíssimo para ajudar o trabalho do montador. Sem isso os clipes ficam imensos, cheios de gordura e dificultam muito todo o processo que se segue: Logar, conformar, digitalizar, montar e conformar para LTO para arquivar.

*A quarta decisão: Corte sempre após cada erro ou entre cada novo take. Perde-se um tempinho no set e salva-se um tempão em todo o resto do processo.*

5 - O luxo dos luxos, optativo mas recomendável: Se o diretor puder assistir a tudo que mandou logar , na hora do almoço ou entre takes, para ver se ha mais alguma coisa a descartar, será sensacional.

6 - E agora vem o argumento com maior poder de convencimento: Percebemos que a pós cobrava o mesmo valor para filmes que rodam 1 hora de material e para filmes que rodaram 12 horas, apesar de um usar 4 horas de máquina e o outro 48.

O Tamis está fazendo um cálculo de quanto custa a hora de máquina e na folha de orçamento o diretor dirá quantas horas de material quer rodar e isso será cobrado como acontecia com o negativo. Com isso os filmes maiores não serão mais financiados pelos filmes menores. (obs: não estamos acrescentando um custo a mais, apenas separando este ítem do custo de pós)

*A sexta decisão* Os filmes pagarão por hora de material rodado. Esse novo esquema começa valer hoje mas estamos abertos a comentários e aprimoramento do método.

Muchas gracias

Fernando Meirelles


A Desmistificação de um Ofício

A possibilidade da imagem cria a banalização da imagem. Vem-me a cabeça uma palavra: inversão. Qualidade é quantidade? Não seria melhor preparar mais, pensar mais, planejar mais do que imprimir muito e sem critério? Outra coisa em que fico pensando é uma doideira, pois trata da transferência de responsabilidade ou transferência de decisões. Como foi captado muito material, é transferido para o montador a responsabilidade de ver todo o material e poder tomar as decisões sobre a escolha e o momento das cenas que serão usadas na edição final.

Na hora da captação das cenas, como você pode digitalizar direto num HD com muita memória, a quantidade de material que é enviado para a montagem é absurdo. Mas ao mesmo tempo, o que eu chamo de banalização também pode ser chamado de inclusão, possibilidade de acesso à criação de imagens por todos. O mundo digital permite isso. Tem escola de cinema para índios, para os jovens favelados e das periferias. É um novo tempo, precisamos aprender a lidar com ele, embora as coisas estejam sempre mudando. Posso contar duas experiências recentes com duas produções de filmes publicitários que editei.

RED
Antes de começar a montar tive que me informar sobre algumas coisas, como por exemplo: como montar no Avid o material originário da Red sem perder informação do time-code nativo? Tenho que agradecer ao Thames Lustre e à equipe de montagem da O2, que após editarem em Avid a série para TV "Som e Fúria", que teve suas imagens captadas com a RED e também com 5D, passaram-me as informações de como abrir o material através do plug-in Meta Cheater. Existem outras maneiras de fazer com outros plug-ins, mas desde então venho usando esse método. No primeiro trabalho, um comercial de automóveis, captado com a câmera RED, o set era um câmera-car com uma grua com controle remoto seguindo um automóvel na Avenida Paulista e cercanias. A câmera não cortava nunca. As tomadas têm cerca de 30 minutos em média. Captava direto no HD da câmera de 600 GB, quando cortava a câmera demorava muito para reiniciar, por esta razão, optou-se por não cortar em nenhum momento. Em cada uma dessas tomadas eu tinha o plano geral, o médio e o mais fechado, detalhes das rodas, faróis, grade dianteira, etc. Imaginem a dificuldade para separar o material, classificar o que é o quê, para ter acesso mais fácil na hora de montar, se numa mesma tomada você tem vários planos? Só o material exterior-dia de um dos automóveis tinha 6 horas captadas. E estou falando de comerciais de 30 segundos. Um novo critério para se ver o material: eu me deparei nesse mesmo trabalho com uma tomada de 33 minutos. A tomada consistia em um tilt. Correção da câmera do painel do automóvel para a alavanca de câmbio automático. Painel - câmbio, câmbio - painel: 33 minutos. Eu precisei ver todos os movimentos para poder escolher o melhor, mas é tudo igual. Muitas vezes foi preciso acelerar os movimentos, então qualquer tomada serviria? O total do material captado nesse trabalho foi de 16 horas, eu tive que entregar três comerciais de 30 segundos mais 3 minutos de banco de imagens para o cliente. O material captado foi aberto no Pablo da Casablanca, descarregado numa fita HD. Recebi uma cópia do material em mini DV. Digitalizei no Avid na mesma qualidade, só para montar. Depois de montado exportei um EDL. O filme montado foi conformado na Casablanca e feito um color grading, somente do filme montado.

5D

Estou convivendo hoje, também num trabalho para publicidade, com 21 horas de material para três comerciais de 30 segundos. O material foi captado com três câmeras 5D simultâneas. Depoimentos, mais cenas de cobertura para poder ilustrar os depoimentos. Foram 60 horas de trabalho, só para poder importar o material para dentro do computador onde seria editado. Recebemos o material num HD de transporte e abrimos em qualidade DV no Avid, somente para a montagem. Antes de filmar, foi feito um teste de sincronismo com a 5D. O som gravado num DAT segurou um sincronismo absoluto em tomadas de até 10 minutos de duração, a partir daí passou a variar, mas nada que não desse para ajustar na "gilete". Graças à Deus, à Santa Edite e ao Dr. Shutz, bateram a claquete. Para quem não sabe, essas são as entidades máximas que habitam as salas de montagem e edição. Para abrir esse material no Avid, levamos mais ou menos de 2,5 a 3 para um, ou seja, para cada 1 minuto de material captado gastamos 2 e meio a três minutos para abrir. Esse trabalho de importar os materiais a serem montados é feito pelo assistente de ilha ou pelo assistente de montagem, profissionais que hoje em dia precisam ter conhecimento de informática. Importar o material é um trabalho que deve ser feito com o maior cuidado e organização possível, porque é dessa organização que partirá todos os EDLs, listas OMF, etc. Eu só estou na ativa ainda porque conto com a ajuda de assistentes, em geral jovens, que têm familiaridade com a linguagem dos computadores e da informática.

Depois de montarmos o filme, conformamos a montagem no Final Cut em qualidade Full HD. Exportou-se um Quick Time Movie sem compressão para a Casablanca, onde foi feito o color granding final. Esses filmes foram produzidos pela produtora Movi&Art. É muito doido, mas não tem volta. E a velha máxima de que o material é Rei, foi pro brejo? Será que vamos ter que assistir o material em fast? Ou é só uma questão de educação?

É preciso urgentemente que se crie algum critério para captar imagens no formato digital. Até lá, vamos seguir os critérios já estabelecidos pela cinematografia? Por favor, pensem antes de captar. Eu estou no exercício da função de montador de filmes publicitário há 37anos e já passei por outras mudanças. Deixei a moviola e, infelizmente, passei a montar naquelas ilhas Umatic. Era um horror, não tinha precisão nenhuma, foi um tempo muito ruim. Depois passei a editar com Avid, o que foi um prêmio. Consegui novamente pensar a montagem do filme como eu pensava na mesa de montagem, o processo de raciocínio é o mesmo.

É preciso "domar" as pessoas envolvidas na captação de imagens pelo método digital. Depois da produção, existe a pós-produção. O excesso de material está matando os montadores, inclusive de fome, porque o montador trabalha agora, no mínimo, quatro vezes mais, sem contar o tempo necessário para importar o material. Toda mudança é dolorosa. O mundo digital é prejudicial à coluna cervical e por consequencia o humor dos montadores.

*Umberto Martins* (Humbertão montador)

Sunday, July 18, 2010

Filmando 'O Som ao Redor'


Fui abrir esse meu blog depois de 2 meses e de repente, Cannes voltou rapidamente à mente, algo que parecia já tão distante. Para mim, é como se eu tivesse visto 'Uncle Boomee' ano passado, ou 'O Leopardo' restaurado se misturando às outras 4 ou 7 vezes que já o havia visto. Não, minto, 'O Leopardo' parece mesmo que o revi 10 ou 13 semanas semanas atrás. E o filme de Joe, eu poderia desenhar algumas imagens no caderno se ainda fosse pra escola, na aula de matemática.

Mas hoje eu 'tou no 4o dia de filmagem de 'O Som ao Redor', meu primeiro filme do tipo 'longa'. Não sei bem como compartilhar a sensação, mas em maio, Cannes deu a experiência inigualável de ver muito filme, e agora eu estou dentro do meu próprio filme. Como no festival, eu aqui tenho alguma idéia do que fazer, vez ou outra me sentindo perdido, sem ter exatamente uma idéia fechada sobre o que ver ou procurar.

De qualquer forma, estar dentro das imagens, vendo-as ou inventando as minhas, é uma coisa que não tem preço, e no que os anos passam, e você acumula experiência de vida, logo vê que as imagens e os sons são indissociáveis da vida em si. Talvez por serem mesmo prova de existir, vendo ou filmando. (kleber mendonça filho)

PS: o blog que eu realmente tenho tido prazer de atualizar é um dedicado apenas a imagens, e é pra lá que eu tenho mandado fotos que traduzem um tico do que tem sido vivido nas filmagens de 'O Som ao Redor'. Vejam http://www.flickr.com/photos/cinemascopio/

Sunday, May 23, 2010

Genre Movies



RUBBER TEASER 1 ! from oizo mr on Vimeo.


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com

Três citações ao cinema de gênero, exemplares curiosos nas mostras paralelas. Destaque para o “argentino noir” Carancho, de Pablo Trapero, “o filme do pneu assassino” Rubber, do francês Quentin Dupieux, e “o filme de terror uruguaio” La Casa Muda, de Gustavo Hernandez. Todos foram apresentados com essas aspas redutoras pela imprensa e são frutos de novas imagens captadas com as últimas câmeras digitais. O cinema moderno continua revendo gêneros clássicos sob novas configurações.

Em Carancho, Trapero (Leonera, que competiu dois anos atrás) nos dá uma versão atual do film noir, onde seus personagens são falhos e apaixonados. Ricardo Darin (de O Segredo dos Seus Olhos) e Martina Gusman (de Leonera, esposa do diretor) se conhecem no mundo dos acidentes de carro nas ruas de Buenos Aires. Ela é paramédica de ambulância, ele um advogado que aproveita-se das vitimas para montar esquemas de compensação junto às seguradoras.

É um thriller noturno filmado com a câmera Red de altíssima definição, deixando o filme com aspecto de vídeo algo de estéril. Há, no entanto, enorme energia de todos os envolvidos. Coloca Trapero no que talvez seja uma fase de transição ao fazer um filme mais comercial, mas ainda muito bem realizado (Carancho é um sucesso na Argentina, perdendo apenas para Iron Man 2, atualmente). O filme leva também a crer que os argentinos tem um super astro local inquestionável para o seu cinema, no rosto de Darin.

Rubber, candidato a filme cult-gréia 2010 passou na Semana da Critica e mostra as aventuras de um pneu velho, abandonado no deserto californiano. Ele ganha vida e livre arbítrio, saindo pela estrada a desintegrar quem encontra pela frente, de passarinhos a seres humanos. O mote do filme é ser “sem noção” (no reason), o que talvez explique o porquê de o bendito pneu não atropelar ninguém, mas matar por concentrada telepatia. É ver para crer, embora fique a sensação de que se fosse um curta, seria melhor.

E o que dizer do bem sucedido La Casa Muda, uma raridade por ter sido feito no Uruguai, com seis mil dólares de orçamento, e utilizando a mesma câmera fotográfica Cânon 5D usada em Rubber? É prova de que há enorme potencial para que realizadores filmem seus filmes de maneira simples e qualidade incrível. La Casa Muda foi projetado em alta definição na Quinzena dos Realizadores, e passou perfeito.

O filme é mais um micro-thriller explorando o mito da casa mal assombrada. Dividido em uma dezena de econômicos planos seqüência, Hernandez fez um filme eficaz, não exatamente revolucionário, que começou a vender bem no mercado apos sua passagem pela Quinzena, garantindo versão em película e distribuição em diversos paises.

Cannes


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O júri presidido pelo diretor americano Tim Burton fez um trabalho interessantíssimo de destacar com a Palma de Ouro um dos cineastas mais originais da última década, o tailandês Apichatpong Weerasethakul, que Cannes já vinha mapeando desde seu filme Tropical Malady (Mal dos Trópicos), prêmio do júri presidido por Quentin Tarantino em 2005. Essa Palma irá permitir que um público bem maior veja Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Tio Bunmee Que é Capaz de Lembrar de Suas Vidas Passadas), filme digno de toda a atenção, e que, esperamos, tenha distribuição nos cinemas do mundo.

A deixa para Uncle Boonmee chegar ao público é importante porque, até agora, os distribuidores brasileiros não compraram nenhum filme de Weerasethakul, provocando um fenômeno curioso.

Cinéfilos sérios mais jovens conhecem os filmes desse autor apenas via downloads na internet, um grupo menor tendo visto exibições especiais em mostras e festivais no país. A grande maioria não parece saber da sua existência. Para os novatos, há a piada já bastante velha a ser descoberta de que o apelido de é ‘Joe’.

Na coletiva de imprensa realizada imediatamente apos a cerimônia de entrega dos prêmios, ontem, no Palais des Festivals, Tim Burton admitiu que ele mesmo não conhecia o trabalho de Weerasethakul, mas definiu sua relação com o filme muito bem, algo compartilhado por muitos em Cannes.

“O mundo está cada vez menor com o cinema de Hollywood, onde os filmes se parecem com tantos outros, e vi nesse olhar algo que eu nunca tinha visto antes. O filme tem uma idéia maravilhosa de eternidade, pessoas que não têm forma e onde o tempo se expande”. Falou bem Burton, que tem um jeito relaxado e nem um pouco pretensioso no seu falar inconfundivelmente americano.

O Grand Prix, efetivamente o segundo lugar, foi para o muito bom filme francês Des Hommes et des Dieux (Dos Homens e de Deus), de Xavier Beauvois, relato seguro e honestamente tocante sobre um grupo de monges franceses vitimados por extremistas. O filme representa o cinema francês clássico e deverá ter boas pernas ao longo do ano de cinema que começa agora, pós Cannes.

Os outros prêmios também mantiveram o nível. Juliette Binoche, cujo rosto foi a própria marca do festival esse ano, nos cartazes e materiais gráficos, ganhou pela sua participação adorável em Copie Conforme, de Abbas Kiarostami, um bate bola conjugal de inegável delicadeza. Binoche não perdeu a oportunidade de protestar contra a prisão, no Irã, do outro cineasta iraniano, Jafar Panahi, segurando uma placa com o nome do realizador.

Javier Bardem dividiu seu prêmio de Melhor Ator (por Biutiful, de Alejandro Gonzalez Inarritu) com o italiano Elio Germano, do simpático drama doméstico-familiar La Nostra Vita, de Danielle Luchetti.

O prêmio duplo lembrou que a seleção esse ano estava forte em figuras paternas, presentes não apenas nos personagens de Bardem e Germano, mas também no prêmio do júri Un Homme Qui Crie, do cineasta Mahamat-Saleh Haroun, natural do Chad, cujo drama como nação ele filmou no seu filme delicado.

Se Bardem soprou beijinhos para sua “amiga, companheira, meu amor” Penélope Cruz, Germano não perdeu a oportunidade de detonar do alto do pódio internacional de mídia, que é o Festival de Cannes, a política italiana. “Nós artistas tentamos levantar a inteligência da Itália, não obstante o nível dos nossos dirigentes”.

Acertaram ainda com o Prêmio de Roteiro para o sul-coreano Lee Chang-Dong, que fez Poetry, um melodrama tão simples quanto culto sobre uma mulher que descobre, aos 65 anos, a poesia, o neto e os limites do corpo com a chegada da idade.

É preciso que seja dito que pelo menos dois filmes podem ter sido deixados de lado pela injustiça. Another Year, de Mike Leigh, é um dos filmes mais seguros de um autor já tão bem sucedido no seu projeto de cinema, na sua criação de um mundo. Pode ser a sina do autor estabelecido, acharem que ele traz mais do mesmo.

E o ucraniano My Joy, de Sergei Losnitza, que o júri de Burton não conseguiu enxergar o surgimento de um novo cineasta para a ficção, com olhar pessoal e doído sobre seu próprio país, a Rússia. Não é todo dia que uma estréia chega com tanta força.

CANNES 2010 em Frases


Alguma mesa numa das noites aqui no festival, com amigos coreanos.


“Meu posicionamento em relação à morte continua o mesmo, sou totalmente contra”

Woody Allen, na coletiva do seu novo filme You’ll Meet a Tall Dark Stranger

“Tenho sentido falta de esperança no cinema, os filmes devem ter mais esperança”

Alejandro Gonzalez Iñarritu, sobre seu filme Biutiful.

“Porquê é preciso ter esperança no final de um filme?”

Sergei Losnitza, diretor ucraniano de My Joy (Minha Alegria),
devolvendo pergunta de jornalista que cobrou total falta de esperança no seu filme.

“Não há nada pior do que um cineasta que trata a história com ignorância”

Nikita Mikhalkov, diretor de O Sol Enganador 2

“Cada um deve poder interpretar meu filme seguindo o que sente”

O tailandês Apichatpong Weerasethakul, diretor de Tio Boonmee
Que Conseguia Lembrar de Suas Vidas Passadas

“O céu é um lugar super estimado”

O espectro de uma mulher dá sua opinião sobre o
além morte, no mesmo filme de Weerasethakul

“Spider 3D. 8 Pernas. 3 Dimensões”.

Slogan publicitário de filme B em 3D. O formato tridimensional também
coqueluche do mercado de Cannes.

“Um filme não conseguirá mudar as coisas nunca no Iraque”

Ken Loach, cujo novo filme Route Irish, sobre prestadores de serviço britânicos à solta no Iraque, passou em competição

“O melhor amigo de um menino é a sua mãe”

O Norman Bates de Anthony Perkins, agora em som digital 5.1 na versão restaurada de Psicose (1960), de Hitchcock, exibido em sessão especial dos seus 50 anos.

“Queria que meu filme fosse alegre, que mostrasse uma alegria e um bom humor que são tão particulares na favela”.

Luciana Bezerra, uma das realizadoras de 5X Favela – Agora Por Eles Mesmos, exibido em sessão especial no festival.

“O senhor acredita que o Irã tem armas de destruição em massa?”

Repórter iraniano perguntando a um atônito Doug Liman, diretor do thriller Fair Game, que analisa as mentiras da casa Branca para atacar o Iraque. Liman passou para a próxima pergunta.

"Depois de problemas de tipo grego, nao vou poder estar no festival. Com Cannes, vou até a morte, mas nao darei mais um passo que seja pra frente."

O enigmático bilhete de Jean Luc Godard para a organização do festival, explicando sua ausência.

Prêmios Cannes


Binoche, melhor atriz no cartaz do festival e nos prêmios.

Palma de Ouro: (Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives) directed by Apichatpong WEERASETHAKUL
Grand Prix: DES HOMMES ET DES DIEUX (OF GODS AND MEN), de Xavier Deaubois
Ator: Javier Bardem, por Biutiful.
Atriz: Juliette Binoche
Roteiro: Poetry
Prêmio do Júri: Un Homme qui Crie
Curta: Micky Bader e Chienne D'Histoire.

Marcia Faria Fala Sobre 'Estação'

Cannes Video #4: Curta 'Estação' from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.

Losnitza


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Um encontro com alguns jornalistas num dos espaços fechados da praia, em Cannes, aconteceu quinta-feira com o realizador ucraniano Sergei Losnitza, diretor de My Joy (Schastye Moye, ou Minha Alegria). Losnitza é um desses diretores que tem enorme propriedade sobre o que está falando, sobre o filme que fez e alguns dos seus procedimentos, embora o filme em si permaneça uma grande nébula. Seu retrato impressionante enquanto cinema e visão humana e política da Rússia hoje ainda repercute.

Havia curiosidade sobre esse documentarista que estréia agora direto na competição de Cannes. “Documentário não é realidade”, diz Losnitza. “As sombras de uma árvore ou de um prédio na rua são as mesmas num filme de documentário, ou num filme de ficção. De qualquer forma, minha experiência no que se convenciona chamar de ‘documentário’ está no filme, mas isso me interessa apenas no sentido técnico, para responder a essa pergunta”.

Matemático de formação e tradutor de japonês, Losnitza mora hoje na Alemanha, “onde, se compararmos com a Rússia, há um abismo enorme em termos de uma sociedade que vê dignidade no cidadão. A Rússia está atrás”. Ele estudou em São Petersburgo, de onde saiu um outro grande filme dele, todo montado a partir de imagens de arquivo do serviço de propaganda soviético, guardado na cidade. O filme chama-se Blockade (2005).

Losnitza falou extensamente sobre a muito comentada estrutura do filme, vista como complexa. “De jeito nenhum, esse filme não poderia ser mais simples. Se você o fatiar e separar as histórias que eu conto, cada uma delas funcionaria perfeitamente no You Tube. Na verdade, como nas fábulas, há até avisos dados ao nosso personagem, instruções que ele ignora. É tudo muito simples”.

Ele contabilizou a importância de falar do passado no seu filme, com dois episódios que se passam no que os russos chamam de ‘A Grande Guerra Patriotica’, e que o mundo conhece como ‘2a. Guerra Mundial’. “Essas idas ao passado estabelecem o desejo de não sermos humilhados e a dificuldade de se aceitar um ponto de vista pessoal independente, e é claro que isso é um problema numa sociedade totalitária”.

Eu perguntei sobre uma sinfonia de rostos humanos que compõe um dos mais belos momentos do filme, e o diretor falou por 12 minutos sem pestanejar. Esse momento de bravura do filme destaca também a parceria de Losnitza com o fotografo moldavo Oleg Mutu, que Losniza convidou para filmar depois de ver seu trabalho nos filmes romenos A Morte do Senhor Lazarescu e 4 Meses 3 Semanas 2 Dias.

“Oleg é excelente, ele trabalhou com uma trepeça de 40 quilos que segurava a câmera, ao mesmo tempo em que a deixava ligeiramente instável, como alguém que tenta manter firme equilíbrio. Foi uma parceria feliz”.

Nessa sequência dos rostos, é a única instância onde a câmera abandona o filme e ganha vida própria, uma forma de constatar que não há saída, talvez uma confirmação de que os elementos do conto de fadas estão sendo colocados em ação”.

“Nós levamos três meses para achar aqueles rostos, que eu escolhi cuidadosamente para passar um sentimento muito forte de tempo perdido e nenhuma esperança, qualquer que ela seja. E, às vezes, acho que só mesmo no interior profundo da Mãe Rússia que esses rostos existem.”

Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Eu mal havia saído da última imagem de Hitchcock (o carro sendo puxado do pântano), e lá estava já na sala a 150 metros de distância vendo a abertura do novo filme de Apichatpong Weerasethakul, onde um búfalo é visto ruminando sobre terreno pantanoso. O titulo maravilhoso é Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Tio Boome que Consegue Lembrar das Suas Vidas Passadas).

Três filmes esse ano em Cannes me chamaram a atenção por irem além da narrativa pura e simples, atingindo um estado de suspensão no espectador normalmente descrito como ‘transe’. Primeiro veio O Estranho Caso de Angélica, depois o ucraniano My Joy (Minha Alegria), de Sergei Losnitza, e por último esse do Joe. O Grande Prêmio do júri ou a Palma de Ouro para qualquer um dos dois últimos (em competição) estaria de bom tamanho, e de forma intercambiável.

Esses três superam as outras demonstrações de cinema onde autores estabelecidos como Mike Leigh e Abbas Kiarostami "apenas" nos dão filmes fortes, prazerosos de se ver, e que poderiam levar qualquer um dos prêmios disponíveis.

Nos casos de Oliveira, Losnitza e Joe, são filmes que parecem se bastar pelo que são, frutos mais de intuições autorais do que técnicas projetadas. Em ambos, é impossível dissocia-los de suas respectivas culturas, ficando a suspeita de que não seriam realizados em nenhuma outra parte do mundo que não Portugal, a Rússia e a Ásia budista, respectivamente.

Para mim, os três me inspiram sensação rara no sentido de eu não ter grandes interesses em escrever sobre eles, ou mesmo discuti-los. Parecem se bastar na sala de projeção, e senti isso ao final de Uncle Boonmee, ainda com a tentadora opção de tentar correr atrás de uma entrevista com Joe. No entanto, pensei que não teria muito o que falar, e duvido se ele teria muita coisa a dizer. Alguns filmes se bastam ali mesmo.

Ironicamente, algumas linhas sobre o filme.

Apichatpong Weerasethakul volta para uma idéia palpável de natureza e floresta, sublinhada por fantástico trabalho de som. Há a filosofia informada desde o início que estamos em todas as coisas vivas da floresta, e o tom impresso por esse autor consegue superar qualquer sensação vulgar associada à idéia de ecologia com sua construção de imagens totalmente alienígena. Se em Avatar, cada imagem é uma questão laboriosamente colocada, num filme como Uncle Boomee o espaço verde simplesmente é, assim como as forças míticas em ação.

Na verdade, volta a sensação de que os responsávels pela imagem registrada são visitantes de outro planeta. As inserções de elementos fantásticos precisam ser vistas para serem totalmente sentidas, e a relação do filme com a morte é de uma beleza também fascinante.

A pequena trama serve de terreno para um panorama que deixa o espectador ateu imerso numa série de estranhezas que cheiram a uma verdade consumada desconhecida, ao mesmo tempo em que há espaço para dúvidas e algum humor que reflete em você mesmo. O filme ainda é engraçado, mas de uma forma totalmente cúmplice, um feito e tanto dada a quantidade de situações inusitadas.

Morrendo em casa, um homem mais velho está cercado dos seus parentes mais queridos. Numa ceia de jantar, eles recebem a visita do espectro de sua esposa falecida e também a visita do filho dele, há anos desaparecido. O filho aparece em forma que não parece humana.

Com aparato de hemodiálise em mãos, a família segue numa peregrinação pela floresta, onde vultos indescritíveis os protegem e garantem a chegada numa caverna que teria sido o local de nascimento do Tio Boome numa outra encarnação. Não deve existir nos registros ritual de passagem tão bonito e enigmático como esse no cinema, poderosíssimo na construção de suas imagens místicas que, em nenhum momento, são uma questão, uma dúvida. Apenas são, e deixam o espectador boquiaberto.

Como cinema, é uma experiência que sugere sair de si mesmo, deixando no ar o sentimento de que o mundo, de fato, é um espaço em constante busca de equilíbrio espiritual, quase nunca tendo a calma e a paz para encontrá-lo. O filme sai de si, e o espectador pega uma rara carona nesse transe reproduzido.

Filme visto na Sala Bazin, Cannes, Maio 2010

Psicose (Cannes Classics)


Lançado em 1960 e ainda moderno em cada uma das suas cenas, Psicose (Psycho), de Hitchcock, passou em cópia digital restaurada, mais um evento de cinefilia sem igual no Festival esse ano, depois da sessão de O Leopardo, semana passada, de Luchino Visconti. Ver o filme na tela grande impressiona não apenas como experiência audiovisual incomum, mas, especialmente, ao vermos como Psicose estava à frente do seu tempo, e, hoje, totalmente integrado ao cinema moderno.

Puristas poderão questionar (eu um deles), mas remixaram a trilha sonora de Bernard Hermann, uma das mais lembradas de toda a história do cinema, para som 5.1 Surround. As cordas violentas de Hermann agora fazem o peito vibrar, com baixas freqüências profundas que deixam as imagens ainda mais cortantes. Esperamos que, em alguns anos, não convertam o filme para 3D. K.M.F

Saturday, May 22, 2010

5X Favela (exibição Especial)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Passou em sessão especial 5X Favela – Por Nós Mesmos, uma combinação em longa metragem de cinco histórias curtas, realizadas por jovens diretores que têm origem social em comunidades cariocas, ou favelas. Considerando que Berlim exibiu em primeira mão o paulistano Bróder, de Jéferson D, também dotado de um olhar de dentro, 2010 mostra sinal interessante de que a imagem do cinema no Brasil está chegando às classes menos favorecidas, que sempre foram retratadas passivamente pelas classes mais favorecidas. Se isso será uma realidade natural a partir de agora, veremos.

O projeto pertence a Renata De Almeida Magalhães e Carlos Diegues. 48 anos atrás, ele juntou-se a colegas de sua geração, “todos burgueses engajados”, nas suas próprias palavras, ao me falar em Cannes, para fazer 5X Favela. Eram cinco histórias, cada uma dirigida por Diegues, Leon Hirzman (idealizador desse filme originalmente, já falecido), Miguel Borges, Joaquim Pedro de Andrade e Marcos Farias.

Na nova versão do filme, há também cinco episódios, que são os seguintes: Fonte de Renda, de Manaíra Carneiro e Wagner Novais. Feijão e Arroz, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral Wesley, Concerto Para Violino, de Luciano Vidigal, Deixa Voar, de Cadu Barcelos, e Acende a Luz, de Luciana Bezerra.

No encontro com a imprensa, num píer da praia privada do Hotel Majestic, em Cannes, eles mencionaram uma questão interessante já no titulo original do projeto, recentemente corrigida.

O filme teria se chamado 5X Favela – Agora Por Eles Mesmos, ato falho ao, mais uma vez, tratar a classe observada como terceira pessoa. Luciana Bezerra lembrou que foi o cineasta Ruy Guerra, um dos mentores do grupo através de oficinas de roteiro e direção, que chamou a atenção e sugeriu o titulo final, 5X Favela – Agora Por Nós Mesmos.

O filme tem um resultado dos mais felizes, começando pela honestidade sentida no todo e passando pela competência de contar as histórias, todas aparentemente pequenas, mas que ilustram perfeitamente o panorama geral de ser pobre no Brasil, de estar, de alguma forma, por fora, no Brasil. Chega a ser tocante em vários momentos.

No primeiro episódio, Fonte de Renda, um rapaz passa em direito e descobre as dificuldades de entrar numa bolha social que não é a sua. Amigos ricos simpáticos acham que ele será um novo canal para trazer ‘paradas’ da favela e os livros técnicos não são baratos. Silvio Guindane interpreta o rapaz com inteligência, num personagem que tem respeito por si mesmo. Há uma participação de fato emotiva no filme de Hugo Carvana, e é muito bom imaginar os ecos de Valdomiro Pena (de Plantão de Polícia, clássica série da Globo) nesse curto papel.

Feijão e Arroz tem o encanto de ter uma trama pequenina, sobre um garoto que ouve do pai que não agüenta mais levar a mesma marmita do titulo para trabalhar, todo dia. O filho junta-se a um amigo para produzir uma galinha, nos levando a um desfecho tocante sobre memórias de infância e comida.

O segmento contem ainda uma cena maravilhosa, onde os dois meninos de comunidade são virtualmente assaltados por crianças ricas saindo de uma escola, num momento que mistura sabiamente algo que pode ser bullying, mas é claramente um roubo. A reversão de papéis interessantíssima.

Detalhes como esse põem o filme lado a lado com Bróder, e percebemos uma mudanã de discurso e ponto de vista. Em Bróder, me impressionou a visão benvinda e caricata de gente rica, que, no filme de Jeferson D, passa como uma sátira social.

Concerto Para Violino, editado no meio do programa, dando um certo peso necessário ao todo, é a única história que fala abertamente sobre o tráfico, ainda que ancorada na amizade de três amigos, esfacelados pela violência. A trama e seu desfecho são surpreendentemente brutais, mas sempre com uma segurança notável.

Deixa Voar nos mostra amigos soltando papagaio (ou pipa), quando a pequena estrutura de bambu e papel cai numa área proibida, dominada por outro grupo. O que poderia terminar em tiro, acaba com apertos de mão motivados por interesses mútuos e saudáveis por meninas/mulheres, o que não deixa de impressionar pelo clima romântico gente boa.

Essa delicadeza encerra o filme com Acende a Luz, da cineasta mais conhecida do grupo, oriunda do Nós do Morro e responsável pelo premiado curta Mina de Fé. Luciana Bezerra filma um natal quente no Vidigal, e sem eletricidade.

O técnico da companhia elétrica é gentilmente seqüestrado pelos moradores até que a luz volte, num tom de bom humor carioca com comedia italiana clássica. A imagem que encerra o filme é não apenas linda, mas sugere a promessa de que uma área antes escura da cinematografia brasileira talvez esteja acendendo aos poucos.

O que mais chama a atenção nesse projeto é como cada idéia foi bem dimensionada, a partir de roteiros inteligentes. Duas observações válidas: o visual constante de todos os filmes poderia ter sido repensado, talvez com uma equipe de fotógrafos diferentes, e a contextualização geográfica do Rio, cidade dividida, não é muito apresentada.

No encontro com a imprensa, os realizadores deixaram claro que Diegues os convidou e lhes deu total controle sobre o filme. Manaíra Carneiro se pergunta “se o filme não dará início a um movimento no cinema brasileiro, formado por realizadores com um outro olhar sobre a sociedade”.

No entanto, o assunto mais abordado era o da representação: “Queria que meu filme fosse alegre, que mostrasse uma alegria e um bom humor que são tão particulares na favela”, disse Bezerra.

Sobre o personagem universitário do seu segmento, Novais diz que “queria tratar com respeito, sendo igual a qualquer pessoa, nunca da maneira depreciativa que alguém da favela é normalmente tratado”.

Uma palavra que ouvi mais de três vezes de alguns colegas brasileiros, mas de nenhum dos estrangeiros que viram o filme: "ingênuo". De forma alguma achei o filme ingênuo, na verdade, me impressionou exatamente a forma como as histórias são pequenas, algo que pode levar alguns a confundir senso adequado de escala com total falta de pretensão.

Normalmente, nossos filmes grandes, sobre favela ou sertão, são, em geral, tomados por temas gigantescos em letras garrafais, e o resultado é o conceito claro do 'elefante branco', sem vida ou habitação. Esse 5X Favela é um filme pequeno que tem coração.

Filme visto na Buñuel, Cannes, Maio 2010

Poetry (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Passou também em competição mais um exemplar de evidentes qualidades do cinema coreano, Poetry (Poesia), filme de Lee Chang-dong. É um melodrama maravilhoso que não seria uma escolha torta para a Palma de Ouro, caso o júri não tenha ‘los cojones’ para reconhecer My Joy, de Sergei Losnitza, ou Uncle Boomee Who Can Recall His Past Lives, de Joe.

É a história de uma senhora de 66 anos que mora com o neto, adolescente recluso, e decide entrar numa oficina de poesia. O professor avisa a turma que até o fim do curso, cada um terá que compor um poema. É difícil ver um filme que propõe uma obra artística dentro da sua narrativa (uma musica, uma pintura, um poema) e consegue nos surpreender com algo realmente bom, em cena, como alguns dos poemas criados nessa oficina.

Poetry, na verdade, é bem mais complexo, começando com o corpo de uma garota boiando num rio e a suspeita de que a personagem principal está perdendo a sua memória lenta e dolorosamente. A atriz Kim Hira, conhecida na Coréia por papeis secundários na TV, deve ser a escolha mais óbvia para a Palma de Atriz. Ela é incrível.

Filme visto na Lumiere, Cannes, 2010

Fair Game (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A única presença americana esse ano na competição passou ontem e se chama Fair Game, do cineasta Doug Liman. Ele fez um filme bom que deverá ser pouco popular nos EUA. Faz uma lavagem realista de roupa suja sobre as verdades por trás do ímpeto de Bush em derrubar Saddam Hussein, fabricando mentiras sobre as tais armas de destruição em massa. Deverá ser o companheiro de prateleira do recente Zona Verde, de Paul Greengrass, embora o filme de Liman invista na força de personagens, aqui defendidos por Sean Penn e Naomi Watts.

Só nesse primeiro semestre, são três filmes de destaque que usam o termo "zona verde" (a área considerada segura pelas forças que ocupam o Iraque). Além do filme de Greengrass, Fair Game e o último de Ken Loach, Route Irish, também em competição em Cannes, lidam com aspectos periféricos importantes da Guerra. E há ainda um quarto, Armadillo, relato muito interessante sobre a guerra na geografia do Afeganistão.

Watts interpreta Valerie Plane, uma mãe de dois filhos, casada com um diplomata escanteado (Penn), e moram em Washington. Seus amigos e vizinhos não sabem que essa mulher, que todos acreditam ser uma empresaria é, na verdade, agente da CIA.

O filme abre em outubro de 2001, um mês depois dos ataques aos EUA, e o serviço de inteligência americano está fervilhando. O principal projeto deles é levantar provas para que uma ação militar contra Hussein faça sentido.

O filme, claramente de esquerda, gerou comentários amargos de dois colegas americanos, saindo da sessão: “o único americano em Cannes e é anti-americano!” É curiosa a reação.
Liman mantém os conflitos bem próximos da realidade, que talvez tenha sido o toque decisivo dado por esse diretor (Swingers, Vamos Nessa) no primeiro filme que dirigiu da série Identidade Bourne, onde o gênero ‘espião’ ganhou levada mais realista.

Há um tom semelhante ao de filmes clássicos americanos do passado, e o espectador não tem tempo para piscar os olhos acompanhando o jogo de poder. Num momento muito curioso, a guerra é declarada em rede nacional de TV, e vemos o personagem de Sean Penn num saguão de aeroporto, todos ao seu redor dormindo.

Por ser verdadeira, a história soa ainda mais enervante. Plane foi exposta (identidade revelada para alguém que era agente da CIA) num artigo enfurecido da vice-presidência americana, publicado no Washington Post, tiro no pé do próprio governo.

O motivo da raiva foi um outro artigo do marido de Plane (Penn) que questionava as ações da Casa Branca, que já fabricava razões para começar a Guerra do Iraque, frustrado com as informações bem pesquisadas da CIA de que Saddam não tinha as tais armas de destruição, e que nada levava a crer que eles teriam acesso a essas armas.

Fica a desconfiança de que Fair Game (Jogo Justo) venha aumentar a lista de filmes questionadores sobre o atual conflito dos EUA no oriente médio, a exemplo de Redacted, de Brian de Palma, o oscarizado Guerra ao Terror (um fracasso comercial, de qualquer forma) e Zona Verde, filme de Paul Greengrass que não aconteceu.

Filme visto na Lumiere, Cannes, Maio 2010

Prêmios Un Certain Regard


Fui ver agora há pouco a entrega de prêmios da mostra Un Certain Regard, que tem um cerimonial dentro da mostra oficial muito tranquilo. Thierry Fremaux chama todo o pessoal de apoio e seguranças, e sua equipe de seleção da mostra, para o palco. É uma celebração, e de repente o peso de todo o festival, e os dias aqui desfrutados, caem nos ombros dessas pessoas. É muito bom.

A presidente do Júri, Cliare Denis, começou dizendo que o filme do Manoel de Oliveira, O Estranho Caso de Angélica, escolhido como filme de abertura, "iluminou toda a seleção com sua poesia". Foi isso mesmo. K.M.F

Os prêmios:

Prêmio Un Certain Regard (Fondation Groupama Gan)
Hahaha, de Hong Sangsoo (Coréia do Sul)

Prêmio do Júri
Octubre (Peru), de Daniel Vega e Diego Vega.

Prêmio de Interpretação Para as Três Atrizes de Los Labios
Adela Sanchez, Eva Bianco, Victoria Raposo

Friday, May 21, 2010

2 Cortes Secos

2 Cortes Secos me chamaram a atenção em Cannes, de dois filmes que colam ficção com realidade. Em 'Fair Game', de Doug Liman, as palavras da personagem interpretadas por Naomi Watts são completadas pela personagem real que ela interpreta, a partir de imagens de arquivo.

No dinamarquês Armadillo, filme punk rock sobre destacamento dinamarquês enfrentando o Talibã no Afeganistão, uma explosão num videogame de combate vira uma explosão de estrada que estilhaça as pernas de um soldado.

Psicose 50 Anos


Você está na 1a fila da Sala 60eme, de frente para a tela que ameaça desabar sobre você. As cordas de Bernard Hermann fazem seu peito vibrar. É PSICOSE de Hitchcock. (foto de Marcelo Miranda, eu estou à direita, afundado na cadeira, já temendo o filme) K.M.F

Thursday, May 20, 2010

'My Joy'


'My Joy', de Sergei Losnitza.

Obs: Esse texto é uma revisão geral acrescida do texto anterior sobre 'My Joy' publicado anteriormente.

por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A Palma de Ouro clara e evidente, a primeira desse Festival de Cannes, é a produção Alemanha/Ucrânia Schastye Moe (My Joy – Minha Alegria), do cineasta russo Sergei Losnitza, que não apenas estréia no longa metragem, mas o faz já na competição. Além da Palma, ele ainda arrisca ganhar a Câmera de Ouro, para estreantes. Poderosíssimo, como só o cinema russo parece conseguir ser, esse filme passa como uma parábola de proporções bíblicas sobre a Rússia atual, cultura fascinante marcada por uma história brutal que sugere pesado karma.

Losnitza apresenta uma pintura sofisticada do estado de espírito de toda essa cultura, pelo jeito marcada pela palavra “documentos...”, falada inúmeras vezes de maneira ameaçadora por homens fardados exercendo as piores formas de poder, oprimindo os mais fracos.

O filme parece tirar todo o ar da sala. O espectador pode sentir-se intimidado pelas imagens de Losnitza, num filme que abre com um trator passando literalmente por cima do espectador. No entanto, há sempre a certeza de que ele sabe bem o que está fazendo.

A força descomunal do filme poderá ser discutida e/ou questionada pelos que não têm intimidade com o país e sua história recente, ou seu panorama atual, algo que um outro realizador jovem, Ilya Khrjanovsky, fez no seu primeiro longa, 4 (2005), inédito comercialmente no Brasil. Tudo pode parecer agressivo demais, sombrio demais.

Losnitza tem uma carreira brilhante no documentário em curta e média metragem. Fez um outro filme impressionante chamado Blockade (2006) a partir dos arquivos do orgão de propaganda soviético sobre o cerco nazista a São Petersburgo (Leningrado, na época), recriando sons para as imagens mudas que mostram uma cidade asfixiada tentando viver.

Em Schastye Moe, o espectador é colocado num estado de tensão suspensa constante, e entra na casa das duas dezenas as imagens potentes da força bruta esmagando sinais inconfundíveis de delicadeza. Quando existe a suspeita de nihilismo por parte do realizador, ele nos dá uma sinfonia de rostos humanos numa feira de cidade pequena, um homem que só quer passar amor para seu filho pequeno, um outro que quer voltar para casa com um vestido para sua mulher.

O personagem principal é um motorista de caminhão (Viktor Nemets) que, como um garoto num conto de fadas, tenta manter-se na estrada principal, mas aos poucos toma caminhos cada vez menores e perdidos na floresta, aqui filmada em dois tons: no verde do verão e no branco gelado do inverno, onde Schastye Moe confirma suas tendências fabulares.

O fotógrafo moldavo Oleg Mutu (A Morte do Senhor Lazarescu, 4 Meses 3 Semanas 2 Dias) usa a tela larga scope de maneira orgânica, cada espaço ciente de sua importância, unindo estética e informação narrativa.

Losnitza nos leva a uma estrutura fabular perfeitamente cortada pelo clima de modernidade, vez ou outra nos contando episódios isolados no passado russo de uma memória afetiva traumatizada pela guerra.

Com a bússola moral quebrada, Losnitza desconstrói nossa segurança de espectador treinado, nos deixando sozinhos com os elementos. É ainda mais impressionante a sequência final, um apocalipse perfeitamente integrado à história, claramente fruto de um russo que lamenta muito o estado atual da cultura política e herança histórica que parece prender o seu país num estado constante de trauma.

MIKHALKOV - A participação de Schastye Moe na competição de Cannes terá um aspecto interessantíssimo pois baterá de frente com um outro filme, O Sol Enganador 2, produção russa dirigida pelo veterano Mikhail Mikhalkov. O choque será não apenas estético, mas político.

Conversando com colegas russos, soubemos que, diferente de Losnitza, que abandonou a Rússia por não saber mais lidar com o país, especialmente sua política ufanista de cinema, Mikhalkov é próximo do poder e de Vladimir Putin, que muitos na Rússia vêem como herdeiro da mentalidade stalinista de autoridade e propaganda.

Mikhalkov esteve também responsável pela política de cinema na Rússia, que praticamente deixou de apoiar filmes independentes para canalizar verba para esse seu filme novo, o mais caro da história cinematográfica russa (custou 40 milhões de dólares). Mikhalkov seria ainda uma continuação das reduzidíssimas classes abastadas que prosperavam favorecidas pelo antigo regime, seu filme uma promessa de propaganda.

O Sol Enganador 2, segunda parte do filme que ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro (1993) passa sexta-feira, em Cannes.

Wednesday, May 19, 2010

Video #3: Realizadores '5X Favela'

Cannes Video #3 - '5X Favela' from Kleber Mendonça Filho on Vimeo.

Des Hommes e des Dieux (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


A França tem quatro filmes em competição (Tournée, de Mathieu Almaric, La Princesse de Montpensier, de Bertrand Tavernier, e Hors la Loi), e destacamos o muito bom Des Hommes e des Dieux (Dos Homens e de Deus), de Xavier Beauvois. É muito sóbrio e bem filmado esse relato sobre fé, vocação e amor ao próximo como projeto de vida, num monastério nas montanhas de Maghreb, norte da África, anos 90.

É a histórica verídica de como um grupo de oito monges franceses envolvem-se com extremistas do islã, que passaram a discordar até mesmo do apoio que o monastério dava aos seus vizinhos, uma comunidade pobre. O elenco inclui Lambert Wilson, mais confortável aqui do que no filme do Tavernier, e o impagável Michael Lonsdale, que segue sendo grande presença no cinema francês, desde Beijos Roubados, de Truffaut.

No filme mais silencioso de todo o festival, uma cena onde ouvimos O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky revela-se um dos momentos memoráveis do festival. Beauvois cria um transe que será quebrado pelo peso da intolerância e da violência. Muito bem recebido.

Cannes 2010


Pablo Trapero, diretor de 'Carancho'

Grand Hotel, entrevistas no jardim.

Juliette Binoche a modelo esse ano partout.

Realizadores do '5x Favela' em Cannes



Sobre a Imagem Russa

Eu tentei lançar alguma coisa no texto sobre My Joy, do Losnitza, sobre a força bruta da imagem numa idéia de cinema russo, qualidade que também encontramos na literatura, poesia que vem de lá. É algo de difícil comprovação, pois ela passa pelo racional e vai direto ao coração, em geral quebrando-o. Talvez esse clipe aqui postado ajude a ilustrar um pouco do efeito geral de My Joy. Pertence a um filme irmão do filme de Losnitza - "4" (2005), de Ilya Khrjanovsky, obra interessante, mas indisciplinada e até imatura, também um panorama moderno sobre o país. De qualquer forma, essa sequência de abertura eu nunca esqueci, e é carregada dessa força "russa" de enquadrar, de agredir com uma imagem de um poder inimaginável sobrepondo-se a tudo.

Tuesday, May 18, 2010

My Joy (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Schaste Moe (My Joy, Minha Alegria), de Sergei Losnitza, é a Palma de Ouro clara e evidente em Cannes esse ano. O filme tem um estado de espírito que acelera o pulso pela força de cada um dos seus planos. Toda vez que vejo esse cinema de corte russo, com traços inconfundíveis da herança soviética, lembro daquela carcaça de cavalo levantada pela ponte suspensa em Outubro, de Eisenstein.

Esse filme passa como uma parábola de horror de proporções bíblicas sobre a Rússia. Indo além de uma idéia de retrato realista dessa cultura e sua paisagem, vamos um passo além, pois o filme resulta numa pintura sofisticada do seu próprio estado de espírito, o retrato da alma.

A força descomunal do filme poderá ser discutida e/ou questionada pelos que não têm intimidade com o país e sua história recente e atual. Tudo pode parecer agressivo demais, pessimista demais, poético demais, de um impacto difícil de administrar. Para quem tem uma intimidade mínima, essa visão artística só pode ser admirada.

Esse é o primeiro filme de ficção de Losnitza, que tem uma carreira brilhante no documentário em curta e média metragem. Fez um outro filme impressionante chamado Blockade (2006) a partir dos arquivos do orgão de propaganda soviético sobre o cerco nazista a São Petersburgo (Leningrado, na época), recriando sons para as imagens mudas que mostram uma cidade asfixiada tentando viver.

Em Schastye Moe, o espectador é colocado num estado de tensão suspensa constante, e entra na casa das duas dezenas as imagens potentes da força bruta esmagando sinais inconfundíveis de delicadeza.

Quando existe a suspeita de nihilismo por parte do realizador, ele nos dá uma sinfonia de rostos humanos numa feira de cidade pequena, um homem que só quer passar amor para seu filho pequeno, um outro que quer voltar para casa com um vestido para sua mulher.

No entanto, esse é um filme que começa com a imagem de uma betoneira misturando concreto, um trator e um cadáver, e o nível de tensão em cada plano é algo a ser ainda estudado.

O fotógrafo moldavo Oleg Mutu (A Morte do Senhor Lazarescu, 4 Meses 3 Semanas 2 Dias) usa a tela larga scope de maneira orgânica, cada espaço ciente de sua importância, unindo estética e informação narrativa.

Das paisagens de verão a florestas geladas, Losnitza nos leva a uma estrutura fabular perfeitamente cortada pelo clima de modernidade, vez ou outra nos contando episódios isolados no passado de uma memória coletiva traumatizada.

Nosso personagem principal e condutor é um motorista (Viktor Nemets) de caminhão que, como um garoto num conto de fadas, tenta manter-se na estrada principal, mas aos poucos toma caminhos cada vez menores e perdidos na floresta.

Com a bússola moral quebrada, e a alma claramente vencida, Losnitza desconstrói nossa segurança de espectador treinado, nos deixando sozinhos com os elementos, e um deles é um outro cadáver que precisa ser enterrado. É ainda mais impressionante a sequência final, um apocalispe perfeitamente inserido na história, fruto de um russo que lamenta muito o estado atual da cultura política e herança histórica do seu país.

Filme visto na Debussy, Cannes 18 Maio 2010

I Wish I Knew (Un Certain Regard)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Me chama a atenção que ao ver um filme de Eduardo Coutinho, tem-se a sensação de estarmos diante de um documentarista. No cinema de Jia Zhang Ke, fica a impressão de que ele é um historiador. Seus últimos três, pelo menos, Useless (2007), 24 City (2008) e esse novo – I Wish I Knew - que passou em Cannes domingo (Un Certain Regard) - parecem ter a chave da história oral nas mãos, uma contrapartida de cabeças falantes equilibrada por uma construção de imagens sofisticadas de registro, ao que parece, feitas com uma preocupação não apenas de preencher a tela larga do cinema hoje, mas principalmente no futuro.

Sente-se uma certa transformação na obra de Jia Zhang Ke, se pegarmos seus filmes de dez anos atrás, mais claramente associados à idéia de ficção. Nessa trinca recente, ele assume o papel de principal cronista / testemunha ocular da China moderna, um feito e tanto num cinema chinês moderno que também parece preocupado em trazer para os filmes as mudanças que ocorrem na cultura, infra-estrutura e paisagem do grande país.

Sua preocupação com esse registro sugere um amor pessoal focado. I Wish I Knew não pareceu agradar tanto a platéia, uma informação sempre desimportante, mas talvez notável considerando que o realizador e sua atriz estavam presentes.

O filme constrói (em duas horas e 20 minutos) uma versão palpável de história através de relatos vividos verbalizados. A técnica de história oral sempre me atraiu muito nos estudos de história.

Sua fragilidade é exatamente sua maior força, ouvir o relato em primeira pessoa que traz experiência de vida e verdade, ao mesmo tempo em que a memória pode ser falha, introduzindo o erro e o julgamento errado de um determinado fato. Datas podem ser equivocadas, mas nada supera essa experiência narrada, ou a imagem de um rosto que lembra, ou que faz esforço para lembrar.

Zhang Ke usa uma galeria de personagens maduros, alguns idosos, para filmar a China, as mudanças de costume, a violência dos conflitos internos, da Guerra, do partido, dos lugares abandonados, ou demolidos.

Num momento, ele nos mostra uma entrevista interrompida bruscamente pela sua personagem, que ordena “pare de gravar”, seguido de um corte sumário. A cena semelhante de Um Lugar ao Sol, doc de Gabriel Mascaro, me veio à mente, sem jogar aí qualquer julgamento sobre aquele outro procedimento.

I Wish I Knew tem alguns procedimentos que o levam a um outro estágio do documentário. As imagens largas em scope sugerem que não há outra forma de filmar a China, e as composições são fortes, enamoradas tanto pela beleza como a feiúra da arquitetura e da destruição.

Filme visto na Debussy, Cannes, 16 Maio 2010

Monday, May 17, 2010

Copie Conforme (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Saindo agora da sessão do filme novo de Abbas Kiarostami, Copie Conforme (Cópia Verdadeira). Horas antes, eu havia escrito sobre as legendas de Godard em Film Socialisme, e agora à noite Kiarostami usa de maneira jocosa as mudanças de língua, tudo muito inteligente e com significados no mínimo astutos, até onde consegui sentir. O filme, no entanto, não é sobre isso, mas apenas um dos detalhes que o enriquecem muito.

É uma mudança e tanto de forma, no que já havia sido anunciado como o primeiro Kiarostami filmado na Europa, com atores europeus. O filme é um presente para Juliette Binoche.

Na superfície, o filme flerta com uma série de outras observações já feitas que rondam a memória do espectador, em especial Viaggio a Italia, de Rosselini, e mesmo o Before Sunrise/Sunset do Richard Linklater. Une uma reflexão sempre a pé e em deslocamento sobre o casamento como história pessoal de cada um, de duas pessoas, somando essa história ao em torno, que não deve ser por acaso tratar-se da Itália.

O homem (William Schimell), aliás, é um acadêmico, especializado em patrimônio cultural, e será a parte mais fria da dupla, cética, distante e fria, mas com doses curiosas de um homem ainda apaixonado. É inglês. Ela, francesa, também fala italiano e francês, e a verbalização do que sentem logo vira uma caixa de pequenas surpresas ao longo do filme.

Ali por baixo, Kiarostami discute rica e prosaicamente identidade de ser você mesmo com uma outra pessoa, e o que se constrói junto num ambiente que já parece ter visto de tudo, vivido tudo e acolhido todos. E tocam os sinos da igreja, sempre para lembrar que o tempo passa e leva as pessoas junto.

O filme é muito delicado.

Filme visto na Sala Debussy, Cannes, 17 maio 2010

Terraço da Quinzena



É aqui onde encontros são feitos, entrevistas marcadas e bebida consumida.

Outrage (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Outrage (competição) não deixa de ser uma decepção vinda de Tóquio, onde o autor e ator Takeshi Kitano, o cara dura mais interessante do cinema internacional, nos dá um incrível banho de sangue que chega a lembrar pornografia. Ignoramos a historinha e já sabemos que vão partir para o BANG!! POW!! CAPOW!!” a cada quatro minutos, de relógio. E que sons de tiros... que som de um cutelo decepando dedos...

Envolvimento, caracterizações ou observações sobre a máfia japonesa são ejetadas para dar lugar a um toma-lá-da-cá draconiano a partir do momento em que uma família decide dar um susto numa outra família. O espectador logo ficará dormente por esforço repetido.

Pela monotonia, freqüência do sangue e criatividade das execuções, lembra Sexta-Feira 13, embora o assassino seja qualquer um, em qualquer lugar. Vez ou outra, a brutalidade é engraçada e absurda (uma vitima é pega na cadeira do dentista), mas na maioria das vezes apenas desagradável e vazia.

Do ponto de vista cultural, é interessante observar que a idéia de racismo e uma mínima correção política ainda não chegou ao Japão. Acontece que a Yakuza despeja a embaixada do Gabão em Tóquio para fazer seu escritorio, seu embaixador um homem negro retratado de forma caricata, QI inexistente e nenhum respeito próprio em cenas pensadas como comédia. Silêncio absoluto da platéia ocidental em Cannes. Se a Yakuza é racista, faria parte da história, mas fica a dúvida sobre o olhar do próprio filme.

Filme visto na Debussy, 16 Maio 2010

Film Socialisme (Un Certain Regard)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Jean Luc Godard, muito aguardado, cancelou sua vinda a Cannes, onde faria concorrida coletiva de imprensa hoje. SO jornal Liberation publicou o que seria o conteúdo do bilhete manuscrito que enviou a Thierry Fremaux para dar suas satisfações:

"Depois de problemas de tipo grego, nao vou poder estar no festival. Com Cannes, vou até a morte, mas nao darei mais um passo que seja pra frente."

Seu filme, no entanto, passou, chama-se Film Socialisme (Un Certain Regard), prova de que quem já fez tanto pelo cinema, pode fazer mesmo qualquer coisa. O cancelamento de sua vinda ao festival parece casar perfeitamente com as palavras que fecham o filme: ‘No Comment’.

Os franceses têm uma expressão muito boa para mostrar ceticismo, espanto, descrença e alguma interjeição de absurdo: “n'importe quoi”. Film Socialisme foi o mais benvindo ‘n'importe quoi!’ de Cannes até agora, uma nova variação dos fluxos de idéias e pensamentos que observamos na obra recente de Godard, uma mutação da sua capacidade de expressar-se por imagens, já há 50 anos.

Chama a atenção que seja tão textualmente um livro ilustrado de poesias, falado em francês, russo, algumas frases em inglês. Nada em Film Socialisme parece pré-formatado, e isso nos remete a uma das frases de Godard incluídas no material de imprensa. “Mesmo com Final Cut (ed: programa de edição da Apple, usado até para editar os video-posts aqui do blog), o mais humilde ou mais arrogante dos montadores estará preso às convenções do passado e do futuro”.

Estamos num transatlântico, onde o filme bate bola formal com o outro ensaio que é o filme pernambucano Pacific, de Marcelo Pedroso, imagens de um deslocamento burguês filmadas com pequenas câmeras digitais.

A água do mar convida pensamentos, que são reprocessados nas legendas em inglês como obras à parte, redefinindo o papel da legenda e provavelmente irritando os que não ouvem o francês. A legenda deixa de ser um instrumento e vira obra, e eu adorei isso. Talvez adorasse da mesma forma se não entendesse francês. É como se as letras subtituladas finalmente ganhassem liberdade de ser outra coisa, não submissas à fala, mas paralelas ao filme.

Outra referencia é Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira, também num transatlântico que se desloca pelo tempo. Godard sobrepõe seus temas como irmãos antagonistas, em geral usando curtas frases: Palestina: acesso negado, pobre Europa, humilhada pela Liberdade, Hollywood Meca do Cinema, Tumulo do Profeta, o sol e a morte a gente não olha de frente (o que me leva ao filme do Iñarritu, visto momentos antes).

É um fluxo digital, uma corrente de idéias que no todo irá sempre levar alguns a perder a paciência, e outros a sentir um prazer sereno nessa massa caótica.

Num dos momentos do filme, a voz de Godard é ouvida: “CinemaScope”, e corrigida por uma criança, “Não, 16X9”. Talvez defina a relação absolutamente moderna desse chato fascinante, que aos 79 anos continua se revendo dentro da própria imagem, mudando com ela. Ou melhor, desejando que ela evolua.

Filme visto na Debussy, Cannes, 17 Maio 2010

La Princesse de Montpensier (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


O cinema francês foi mal representado ontem, na mostra competitiva, com La Princesse de Montpensier, filme algo de empalhado de Bertrand Tavernier. É um dramão de época (1562, na guerra entre católicos e protestantes) com cascos de cavalo estrondando o Dolby quase tanto quanto os volumosos figurinos e lutas de espada. A coletiva de imprensa deixou transparacer que o filme é mais dos produtores do que de Tavernier, sempre um problema.

Marie de Montpensier (Melanie Therry) é uma jovem força feminina da natureza, capaz de fazer todos os homens enlouquecerem por ela, um problema já que Therry, certamente uma gracinha (fotografa como Michelle Pfeiffer em Ligações Peigosas) não é nenhuma Claudia Cardinale em O Leopardo. Lambert Wilson, Gaspard Ulliel e Grégoire Ringuet encaram tudo com profissionalismo, embora o filme aparente ser a resposta francesa para o mesmo tipo de passatempo inexpressivo de Robin Hood, que abriu Cannes quarta passada.

Filme visto na Sala Lumiere, Cannes, 16 Maio 2010

Un Homme Qui Crie (competição)


por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Muito bom o filme em competição do Chade, o primeiro do país africano na história de Cannes. Un Homme Qui Crie (Um Homem Que Grita) é sério candidato a prêmio. Retrato honesto e tocante da vida hoje no Chade, onde a juventude está sendo perdida pela guerra civil e as perspectivas de vida logo chegam a zero para a população. Pode parecer painel ambicioso, mas não é, uma vez que o cineasta Mahamat-Saleh Haroum usa os pequenos detalhes para falar de algo bem grande.

É um filme sobre a figura paterna, homem de 60 anos, ex-campeão nacional de natação, que há 40 anos cuida da piscina de um hotel, ilha de riqueza. Seu filho de 20 é levado a força para lutar no faminto exército do país. É tudo tão lindamente filmado, com emoções contidas que revelam um filme poderoso, deixando o espectador mais uma vez se perguntando, “mas, e a África...?”.

Filme visto na Sala Bazin, Cannes, 15 maio 2010

Another Year (competição)



por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Na manhã do sábado, o Grand Theatre Lumiere, o maior de Cannes, exibiu duas versões de Londres, por dois autores com extensa folha corrida. Primeiro passou Another Year (competição), onde Mike Leigh mais uma vez acompanha, com sua peculiar mistura de ceticismo e alento, um grupo de pessoas na capital inglesa. Depois, esvaziaram a sala, e voltamos para a segunda sessão, onde Woody Allen mostrou seu novo filme, You’ll Meet a Tall Dark Stranger (hors concours), crônica sobre os temas que lhe são caros, o pessimismo quase sempre bem humorado de viver.

No caso de Leigh, volta o bom espanto de ver um cineasta totalmente interessado em filmar o rosto das pessoas. É curioso ver esses dois filmes juntos, pois Leigh confirma-se incrível retratista da realidade inglesa, enquanto Allen continua sendo o autor de uma dimensão paralela só sua, aqui por um acaso filmada em Londres. “Esse filme poderia ter sido feito em qualquer outra cidade”, disse Woody na coletiva.

Em Another Year (Outro Ano/Mais Um Ano), Leigh faz jus ao titulo mostrando pequenos detalhes da vida de um grupo de pessoas ao longo da divisão clássica quatro estações (da primavera ao inverno). Com uma dezena de personagens bem administrados, fica claro apenas na última cena quem seria de fato o foco principal do filme, toque potente.

Um casal cinqüentão feliz, ele (Jim Broadbent) é geólogo, ela (Ruth Sheen) psicóloga, tem um filho tranqüilo de 30 anos (Oliver Maltman). São o eixo do filme e dão assistência emocional para Mary (Lesley Manville), uma amiga simplesmente infeliz que passa a testar a paciência dos amigos com sua carência. E há uma série de outros personagens interessantes, sempre interagindo em torno de instituições britânicas como pequenas salas, cozinhas e jardins.

Leigh é muito acusado, na sua carreira, de dureza e crueldade com alguns dos seus personagens, algo que desaparece em alguns dos seus filmes. Seu último, Simplesmente Feliz, foi seu olhar mais ensolarado até agora, e voltamos, de certa forma, às sombras com Another Year.

É muito curioso observar como filmes batem para as culturas que os produziram.
Ontem, por exemplo, saiu crítica na revista britânica Screen International que joga o filme no lixo pelos personagens “que você evitaria numa festa” e, essa é a melhor parte, pondera que “a carreira nos cinemas da Inglaterra deverá ser sombria, onde já instala-se clima pessimista com as novas medidas tomadas pelo novo governo”, citação ao clima inglês pós-eleição que deu vitória aos conservadores.

Talvez um olhar que se atenha ao cinema revele o filme de um artista que dramatiza como poucos o teatro humano.

Filme visto no Lumiere, Cannes, 15 Maio 2010

You'll Meet a Tall Dark Stranger (hors concours)




por Kleber Mendonça Filho
cinemascopio@gmail.com


Sobre Woody Allen, poucos autores dramatizam tão bem o ridículo necessário que é a comédia humana. A começar pelo título You’ll Meet a Tall Dark Stranger (Irás Conhecer um Moreno Alto), que leva a duas coisas. A promessa de romance para uma mulher, normalmente via cartomante, que tem no ideal latino uma noção de romance sensual. Ou, na versão de Woody Allen, o sujeito alto e moreno é a própria morte, semelhante à ironia de Clarice Lispector quando as cartas prometem à sua Macabéia “um alemão loiro”.

E Allen nos dá uma outra ciranda terrivelmente sarcástica de personagens que preferem depositar suas possibilidades de felicidade na ilusão. Uma esposa abandonada na terceira idade (Gemma Jones) passa a decidir sua vida via cartomante. Seu ex-marido (Anthony Hopkins) clareia os dentes, passa a fazer exercício e casa-se com uma jovem prostituta à procura do elixir da juventude. Um escritor fracassado (Josh Brolin) submete o manuscrito de um amigo morto, como se fosse dele. A mulher dele (Naomi Watts) acredita numa possibilidade de amor que talvez não seja real.

“Minha relação com a morte continua a mesma, sou totalmente contra”, afirmou Allen para uma onda estridente de gargalhadas no encontro com a imprensa, sábado. “Quero chegar aos 100 como Manoel de Oliveira chegou, e não com placas de alumínio espalhadas pelo corpo, me arrastando, ligado a aparelhos”.

Sobre o sarcasmo para com os que vivem de ilusões, disse “se eu conhecer um boboca numa festa que acredita em misticismos e cartomantes, é claro que eu vou rir da cara dele e achá-lo um boboca; mas sei que ele será bem mais feliz do que eu jamais serei. De qualquer forma, para mim, eles só fazem alimentar uma indústria de milhões de dólares”.

Brolin, que também está em Wall Street – Money Never Sleeps, de Oliver Stone, falou de Allen: “há um grande fator de sedução em Woody Allen, e esse fator vem da sua humildade. Eu fiz uma ponta em Melinda Melinda, anos antes, e ele me convidou para esse filme novo com um bilhete que dizia, “você talvez se lembre de mim de Melinda Melinda, eu era o diretor”.

A relação de Allen com os atores foi descrita por ele da seguinte forma: “tudo se resume a você saber contratar. Sabendo contratar os atores, você já tem tudo à mão e não precisa fazer mais nada, só calar a boca e pegar o cheque”.

Durante a projeção, You’ll Meet a Tall Dark Stranger passa como um filme meio-termo de Allen, pelo menos até o momento em que a imagem cinematográfica de uma janela, já no final, eleva o filme a algo realmente especial. Sem entrar em detalhes, mostra, num único plano, que a felicidade, assim como o próprio cinema, é apenas uma questão de ponto de vista. É bonito, e é amargo.

Filme visto na Lumiere, Cannes, 15 de Maio 2010